Radiações cósmicas são um travão às missões espaciais tripuladas
Agosto 04, 2008
Vera Gomes
02.08.2008, Ana Gerschenfeld
Havendo água em Marte, as hipóteses de habitabilidade do planeta aumentam. Mas a viagem tem grandes riscos
Se pensa que o sol que apanha na praia é mau para a saúde, saiba que isso não é nada comparado com os riscos da exposição às radiações cósmicas da tripulação de uma nave com rumo a Marte. De facto, para além do custo de uma tal missão, e independentemente da vontade de a realizar, existe um obstáculo do qual se fala pouco. E que vai ser necessário resolver antes de a Humanidade dar largas ao seu espírito aventureiro espacial. Trata-se de determinar se a longa viagem de cá para lá (e a estadia e o regresso) não representam uma sentença de morte para os astronautas - um risco incomportável de desenvolverem cancro, sobretudo, mas também doenças do sistema nervoso central, doenças degenerativas, envelhecimento prematuro, etc.
Há anos que os especialistas se perguntam exactamente isso: os seres humanos poderão ir a Marte? Já em 2004, Francis Cucinotta, responsável pelo Programa de Radiação Espacial da agência norte-americana NASA, escrevia: "É tudo uma questão de radiação. Sabemos quanta radiação há lá fora, à nossa espera entre a Terra e Marte, mas não temos a certeza de como o organismo humano irá reagir a ela". A incerteza mantém-se hoje, embora os cientistas tenham conseguido afinar os seus resultados.
No espaço, a ameaça é tripla: há os protões vindos da actividade solar, os raios gama dos buracos negros recém-formados e os raios cósmicos das explosões estelares (as célebres supernovas). A maior ameaça são, de longe, os últimos - os raios cósmicos galácticos ou GCR. "Os CGR são muito mais energéticos do que os típicos protões acelerados pelas erupções solares", escrevia ainda Cucinotta. "Os CGR atravessam as naves espaciais e a pele das pessoas como pequenas balas, partindo o ADN, danificando os genes e matando as células."
Mas, visto que os seres humanos já andam no espaço há uns 50 anos, por que é que isto nunca foi um problema? Porque o tempo de exposição total dos astronautas às radiações nunca ultrapassou uns poucos dias. Mesmo nas estadias a bordo dos vaivéns, da Estação Espacial Internacional (ISS) ou até da estação russa Mir, que detém os recordes de permanência de pessoas no espaço, os tripulantes nunca foram expostos à dose total de raios cósmicos existente. "No caso da ISS, por exemplo", salienta Cuccinota, "ela orbita a apenas 400 quilómetros de altitude. A massa do nosso planeta, muito perto, intercepta cerca de um terço dos CGR antes de atingirem a ISS. Um outro terço é desviado pelo campo magnético da Terra. O mesmo acontece nos vaivéns."
Viagem dura um ano
Só que uma viagem a Marte não duraria uns poucos dias, como uma viagem à Lua, mas cerca de um ano. E considerando que a tripulação permaneceria uns meses no planeta vermelho, a duração total poderia somar três anos. Para além da exposição às radiações durante a viagem, durante a estadia os astronautas também seriam expostos a grandes quantidades de radiação ionizante, uma vez que Marte não possui magnetosfera e que a sua atmosfera é extremamente ténue (ao contrário da Terra).
Segundo um estudo realizado em 2001 junto de sobreviventes da bomba de Hiroxima e de doentes com cancro tratados com radioterapia, o risco acrescido face ao cancro de uma missão de 1000 dias a Marte situa-se entre um e 19 por cento. "O mais provável é ser à volta de 3,4 por cento", escrevia Cucinotta, "mas as margens de erro são muito grandes". Ainda hoje continuam a sê-lo: numa comunicação num congresso, em Fevereiro deste ano, Cuccinola declarou o principal objectivo da sua equipa até 2020: reduzir essa margem de erro. Para isso, os cientistas têm realizado simulações dos efeitos de raios cósmicos bombardeando células vivas in vitro no laboratório.
Claro que o problema é, em parte, um problema de custos. Se se confirmar que os riscos mortais das radiações cósmicas são mesmo elevados, será preciso inventar novas arquitecturas de naves espaciais e construí-las com materiais diferentes (plástico por exemplo), para proteger os passageiros. Mas se o risco acrescido de cancro não for assim tão grande (se não ultrapassar três por cento), então ter-se-ia gastado, por precaução, imenso dinheiro para nada.
Resta que, mesmo beneficiando de um alto grau de protecção, não se sabe ainda se o ser humano foi feito para permanecer tanto tempo no espaço sideral. Segundo as últimas estimativas (de 2006) também apresentadas por Cucinotta, o número de dias que uma pessoa poderá permanecer em segurança no espaço profundo (com um alto nível de protecção), vai de 112 para as mulheres de 30 anos e 142 para os homens dessa idade, a 224 para as mulheres com 50 anos e 278 para os homens da mesma idade. O que ainda não chega para uma missão a Marte, pelos vistos.
3%
É o limite do risco acrescido de desenvolver um cancro mortal que a NASA considera aceitável para os seus astronautas.
in Publico